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Foto do escritorGraciele Mocellin Pinzon

Limitação ao aproveitamento dos créditos de ICMS nas remessas de bens e mercadorias entre filiais

Conforme determina a Constituição Federal, as normas gerais do ICMS foram estabelecidas pela Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir). Referida Lei, continha um dispositivo, recentemente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que permitia, equivocadamente, a cobrança do ICMS nas remessas de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.


Com isso, os fiscos estaduais indevidamente exigiam o recolhimento do ICMS nessas operações. Entretanto, a jurisprudência consolidou o entendimento de que nessa situação não ocorre o fato gerador do ICMS. Ou seja, essa operação específica não pode ser tributada por esse imposto.


Essa discussão é antiga e ocorre desde os tempos do extinto ICM, que antecedeu o ICMS, cujo histórico resumido foi trazido no julgamento do Tema 1.099 pelo (STF), conforme trecho abaixo:


“Com esteio nos arts. 1º e 6º do Decreto-Lei nº 406/1968, o STJ editou o seguinte enunciado sumular de nº 166: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” Além disso, sob o rito dos recursos repetitivos, a Corte Superior fixou tese de julgamento com os mesmos dizeres da súmula referida no bojo do Tema nº 259, com relatoria do então Ministro do STJ Luiz Fux, na qual se discorreu sobre a não incidência do ICMS sobre o mero deslocamento de equipamentos ou mercadorias entre estabelecimentos de titularidade do mesmo contribuinte, em razão da ausência de circulação para fins de transferência de propriedade. Em face dessa diretriz jurisprudencial, cotejada com posicionamentos coincidentes e diversos no âmbito dos demais órgãos do sistema de Justiça, registro que tramita nesta Corte a AD C nº 49, na qual se busca a declaração de constitucionalidade dos arts. 11, § 3º, inciso II; 12, inciso I; e 13, § 4º, da Lei Complementar nº 87/2006, nos quais se definiu, respectivamente, o princípio da autonomia de estabelecimento, o fato gerador de ICMS também nas hipóteses de saída de mercadoria, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular, e a base de cálculo relativa a essas operações. (...)
Em função dessas premissas jurídicas, a jurisprudência do STF é no sentido de que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de propriedade do mesmo contribuinte não configura circulação de mercadoria, descaracterizando-se o fato gerador de ICMS. Nesse aspecto, mostra-se irrelevante que a origem e o destino estejam em jurisdições territoriais distintas.
(...) Consequentemente, dou provimento ao agravo para conhecer em parte do recurso extraordinário e, na parte conhecida, dar-lhe provimento, de modo a conceder a ordem de segurança pleiteada pelos impetrantes com vistas a determinar que o estado recorrido se abstenha de cobrar ICMS em situação correspondente à transferência interestadual de bovinos entre estabelecimentos de titularidade dos recorrentes, sem a configuração de ato mercantil, assim como de promover atos que impeçam essa movimentação. Por outro lado, emita o estado as notas fiscais de produtor rural necessárias para o referido transporte, sem as condicionar ao prévio recolhimento do imposto.” (Destacamos).

Verifica-se que, há muitas décadas a jurisprudência firmou o entendimento de que não ocorre o fato gerador do ICMS nas operações de transferências de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, ainda que em unidades federativas diversas, pois não se trata de comercialização.


Essa operação de remessa de bens e mercadorias entre filiais, na realidade é semelhante a trocar algum produto de prateleira, sendo que o ICMS, em regra, só pode ser cobrado na venda efetiva.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ), editou no ano de 1996 a Súmula n° 166:


“Súmula nº 166/STJ: Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

Posteriormente, no ano de 2010, esse entendimento foi ratificado, quando a Corte Superior julgou novamente a matéria, no tocante a bens do ativo imobilizado, no Tema 259/STJ, firmando a seguinte tese:

“não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Em que pese, a firme jurisprudência no sentido de reconhecer a impossibilidade de cobrar o ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, os fiscos estaduais continuaram lavrando autuações para exigir o imposto.


A discussão alcançou o STF, que julgou a matéria, no tocante a operações interestaduais, no Tema 1.099/STF, firmando a seguinte tese:


“Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.” (STF, ARE 1.255.885, julgado em 15/08/2020, DJE 15/09/2020, trânsito em julgado em 14/10/2020)”.

Assim o STF, confirmou o entendimento firmado pelo STJ, na Súmula n° 166 e Tema 259.


Entretanto, a governadora do estado do Rio Grande do Norte ingressou com a Ação Direta de Constitucionalidade n ° 49, pedindo ao STF que validasse a cobrança do ICMS nessa operação.


Forçado a se manifestar novamente sobre a matéria, o STF, confirmou novamente o entendimento da Súmula n° 166, Tema 259/STJ e Tema 1.099/STF, ao Julgar a ADC n° 49, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Kandir, consignando que não incide o ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte:


“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ICMS. DESLOCAMENTO FÍSICO DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA TITULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES DA CORTE. NECESSIDADE DE OPERAÇÃO JURÍDICA COM TRAMITAÇÃO DE POSSE E PROPRIDADE DE BENS. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Enquanto o diploma em análise dispõe que incide o ICMS na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, o Judiciário possui entendimento no sentido de não incidência, situação esta que exemplifica, de pronto, evidente insegurança jurídica na seara tributária. Estão cumpridas, portanto, as exigências previstas pela Lei n. 9.868/1999 para processamento e julgamento da presente ADC.
2. O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual. Precedentes.
3. A hipótese de incidência do tributo é a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final.
4. Ação declaratória julgada improcedente, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996.” (Destacamos)

Cumpre destacar trecho do voto, proferido pelo Min. Edson Fachin:


“Dessa forma, interpretando-se segundo a Constituição da República, a circulação de mercadorias que gera incidência de ICMS é a jurídica. Entendo, assim, que o mero deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, não é fato gerador de ICMS, sendo este o entendimento consolidado nesta Corte, guardiã da Constituição, que o aplica há anos e até os dias atuais.”

No entanto, foi apresentado recurso e o STF optou por modular os efeitos da decisão para que “tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito”.


Referida modulação foi motivada pelo potencial prejuízo econômico que a decisão poderia impor aos Estados, que historicamente tributaram o ICMS nas transferências de bens entre suas filiais.


Tal medida foi implementada com o objetivo de garantir que tais repercussões somente entrassem em vigor a partir do exercício financeiro de 2024, proporcionando um prazo adequado para que os Estados se organizassem em relação ao tema, evitando a necessidade de restituir tributos pagos indevidamente.


Na mesma oportunidade, restou definido que os Estados deveriam deliberar sobre os créditos de ICMS em operações interestaduais até o final do ano de 2023, à medida em que os ministros determinaram que “exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.


Quando o julgamento da ADC n° 49 foi proferido, o Projeto de Lei Complementar nº 332/2018 (posteriormente convertido no PLP n° 116/2023) já estava em tramitação na Câmara dos Deputados, tendo como objetivo buscar a regulamentação das transferências entre filiais de mesmos contribuintes, abordando, inclusive, a possibilidade de o contribuinte escolher manter os créditos nessas operações ou transferi-los.


Ainda, os Ministros destacaram em seus votos que a transferência da responsabilidade para os Estados, por meio de um Convênio no âmbito do CONFAZ, a fim de estabelecer diretrizes sobre os créditos de ICMS nas operações entre filiais, foi motivada pela incerteza em relação à aprovação do Projeto de Lei Complementar, somada a necessidade de uma definição antes do início do exercício financeiro de 2024.


Diante deste contexto, em outubro de 2023, foi publicado o Convênio ICMS nº 174/23, o qual dispôs sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, determinando a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino, sem considerar a atividade do contribuinte, tampouco os reflexos que esta obrigatoriedade poderia causar no ICMS a recolher.


Contudo, vale lembrar que o STF declarou ilegal e inconstitucional a cobrança de ICMS nas operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, definindo claramente que a simples remessa de bens entre filiais do mesmo titular, independentemente da unidade federada, não configura fato gerador de ICMS.


O Convênio ICMS nº 174/23 foi revogado poucos dias após a sua publicação, pois exigia a ratificação de todos os Estados para entrar em vigor. Sendo que os estados do Rio de Janeiro e Amazonas não o ratificaram, levando à sua revogação.


Em 01/12/2023, foi publicado o Convênio ICMS nº 178/23, para regulamentar a mesma matéria, as transferências entre filiais de um mesmo contribuinte.


O Convênio ICMS 178/23 manteve a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS nas remessas interestaduais, disposição que implica em uma tributação indireta dessas operações, contrariando o entendimento consolidado na ADC n° 49.


Nesse contexto, após aprovação, o PLP n° 116/2023, foi transformado na Lei Complementar n° 204/2023 (LC n° 204/2023), que entrou em vigor em 1° de janeiro de 2024.


O Presidente da República vetou um trecho da nova lei. Todavia, em sessão realizada em 28/05/2024, o Congresso Nacional promoveu a derrubada do veto.


Diante disso, a mídia nacional noticiou, erroneamente, que as remessas de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular deixaram de ser tributadas pelo ICMS, o que não é verdade.


O contribuinte permanece obrigado a transferir os créditos de ICMS nas operações interestaduais de remessas de bens e mercadorias entre filiais.


Porém, tanto a LC n° 204/2023 quanto o Convênio ICMS 178/2023, são inconstitucionais, ao forçar a transferência de créditos e limitar o seu aproveitamento.


Diante desse grave cenário de insegurança jurídica, cabe ao contribuinte novamente buscar o Judiciário, para fazer valer o entendimento firmado pelo STF de que os créditos do ICMS podem ser aproveitados sem qualquer limitação ou obrigatoriedade de sua transferência.


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